Ana Ribeiro Ana Ribeiro

Fora de controle.

O fora do controle é algo que nos incomoda, traz desconforto e pânico. No entanto, há quem diga que quando nos encontramos perto da morte, abre espaço para a aceitar e nesse momento há uma viragem de reconhecimento da própria existência do corpo, em relação a si e ao mundo.

Há um medo constante de que não é possível criar uma justificação. Há sempre uma tendência para relacionar com informação adquirida. Quase como se para conseguir visualizar um cisne negro seria preciso uma tela branca em relação a todo o conhecimento do mundo e à percepção de nós mesmos, elementos construídos mediante uma sociedade que só conhecemos como esta. O fora do controle é algo que nos incomoda, traz desconforto e pânico. No entanto, há quem diga que quando nos encontramos perto da morte, abre espaço para a aceitar e nesse momento há uma viragem de reconhecimento da própria existência do corpo, em relação a si e ao mundo. Será que se pode dizer que quando aceitamos a probabilidade do improvável há uma calma intrínseca sem pedir pelo controle que nos foi alimentado como uma necessidade básica? Quase que poderíamos referir que a aceitação traz consigo uma calma, uma paz interior. Uma mudança real e insignificante da nossa existência. Como se fossemos mais um elemento deste Universo que passou por esta vida para a celebrar da melhor forma como a soube viver, consoante as suas limitações e formas de estar, a filosofia da vida, da passagem por este momento que aconteceu e surgiu. Um resumo deste mundo que se leva para uma dimensão não explicada de um submundo desconhecido, seja ele transportado para um negro sem fim ou por outras vidas. Será que a nossa própria existência humana é um cisne negro? Um elemento aleatório e imprevisível que surgiu neste Espaço. Como tal é tão assustador que levamos milhares de anos à procura de respostas para o surgimento da humanidade. Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Vale a pena gastar energia em tais procuras? Lamentando a busca de um conhecimento desenfreado há um esquecimento da própria essência. O agora. Somos o maior inimigo de nós mesmos. Capazes de acabar com esta Vida que nos foi aleatoriamente concebida por algo inexplicável que não a celebramos nem nutrimos. O amar, a empatia, o calçar o sapato do outro que é uma continuação do próprio corpo. De uma energia invisível que nos liga entre milhares de sinapses. E nos estimula diariamente. Estímulos que nos criam reações e respostas no nosso próprio corpo e no do outro. O próprio ambiente que rodeia comporta esse output/input que tem repercussões no nosso comportamento e ações. Psicólogos, antropólogos e pedagogos referem há centenas de anos as camadas que nos circundam, como nos influenciam e vice versa. Sublinham nos seus estudos a importância do crescimento e desenvolvimento humano desde a latência até à adolescência. Em idade adulta torna-se uma fase ambígua, quase como se as tais camadas fossem esquecidas e haja um escudo criado. Há uma estagnação, um vazio de explicações. Há uma linha de fim sem necessidade de explorar o próprio desenvolvimento, como se tivesse chegado ao seu auge máximo. Falam sobre terapias e psicodramas, como psicotrópicos e retalinas, na mesma frase, sem qualquer pudor. Não há problema. É a nossa própria aceitação que a vida adulta fora montada desta forma para suportar este corpo que já não é um corpo. É um objeto. Um elemento útil para esta sociedade de poder. Útil, de uso. De descarte. De inútil, insatisfação. Uma miragem de necessidade pensada que preenche um vazio.

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Ana Ribeiro Ana Ribeiro

Morte, esta carta é para ti.

Termino esta carta para referir que quero ser uma árvore. Deixar algo em continuidade. Uma semente que é regada e nutrida pela degradação do meu corpo entre a terra que a envolve. Não para ser uma outra canção, mas para chegar à verdade absoluta, contemplativa.

Temo, entro em pânico só de pensar no ato de morrer, como sendo um término do meu corpo. Entro em respirações tépidas só de pensar que deixo de Ser. O rumo muda. Pensamentos me invadem a mente. Sabes que há diferentes formas de morrer? Posso ter controlo nas decisões da minha vida, mesmo no seu fim de ciclo? Será que realmente é um final? Morte, esta carta é para ti. Já te senti tão perto de mim. Entre a cama do Carlos, os risos Tânia, o choro das amarras do Albano como os poemas escritos pelo António. As suas vidas guardo memória, mas as suas mortes vivas ainda se encontram. Como perguntei por ti. E pensei que estarias para mim, entre surtos e gritos em silêncio passaste na minha mente sem fim. Ao te admitir abraço-te. Não que o queira, mas porque me obrigaste. O meu corpo sentiu-te e um vulto de formas como chegar a ti surgiram. O abismo de te conhecer cruzou-me entre sinapses, mas entre os dedos escorregaste-me. Parece que o ciclo da vida ainda não te quer tão perto de mim. Não faz mal, não te preocupes. Um dia hei-de chegar a ti, mas não entre surtos corporais sem controle que chamam por ti. Termino esta carta para referir que quero ser uma árvore. Deixar algo em continuidade. Uma semente que é regada e nutrida pela degradação do meu corpo entre a terra que a envolve. Não para ser uma outra canção, mas para chegar à verdade absoluta, contemplativa. Às raízes do meu Ser e aceitar. Aceitar que quero abraçar. O agora. O presente com a necessidade permanente de criar um canal. Uma estrada. Uma esperança. Pensar que há um lugar que possa continuar este ciclo, a vida. Viver. Obrigada Morte, porque sem pensar em ti, não estaria aqui.

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